Neste período da pandemia, houve aumento da população em situação de rua nas imediações do CAPS por aqueles que já frequentavam o setor comercial sul e por outras famílias das demais regiões administrativas do DF. Tendo em vista o Plano de contingência dos serviços de saúde da Atenção secundária, os grupos terapêuticos foram suspensos por tempo indeterminado, demandando que fosse repensado o cuidado sob uma ótica biopsicossociocultural. Desta forma, chegou-se à conclusão de que precisaríamos sair do serviço para conhecer as necessidades específicas deste novo contexto de pandemia.
nossas intervenções tiveram o objetivo principal de reestruturar as práticas profissionais em contexto de pandemia. Pudemos proporcionar recursos de higiene para prevenção de agravos à saúde relacionados ao COVID-19, seguindo as orientações da OMS, além de informar as pessoas com as quais tínhamos contato sobre as principais formas de autocuidado contra o COVID - 19, sempre de acordo com as plataformas oficiais. Também informávamos sobre o funcionamento dos serviços assistenciais (CAPS, Centro Pop, Consultório na Rua, Agência do Trabalhador, CREAS, CRAS, delegacias, etc.), sobre benefícios emergenciais e divulgávamos notícias recentes sobre a pandemia. Com isso, buscamos conscientizar a população em questão acerca da gravidade e não crença na letalidade causada pelo vírus, tendo em vista que os mesmos têm acesso limitado às informações oficiais, ocasionando em possíveis propagações de fake news.
Foi realizado diálogo com os usuários do CAPS visando elencar as principais demandas deste período de pandemia para orientar as ações territoriais. A partir disso, percebemos a importância de sairmos da estrutura física do CAPS a fim de dar seguimento às nossas intervenções com a população vigente. Inicialmente coletamos doações de garrafas e de kits de higiene, em seguida, conversamos com um usuário deste serviço que está trabalhando na abordagem de rua “Ipês” para conhecer os pontos mais estratégicos para colocar as estações de higienização. Seguidamente, foram definidos em equipe dois dias na semana para reabastecer essas estações, momento em que também oferecemos escuta e intervenções no território (levar casos para a reunião de equipe, dar informações relevantes sobre o funcionamento da rede, solicitar auxílio da nossa equipe multiprofissional para as abordagens de rua etc.). Os recursos utilizados para estas ações foram garrafas plásticas doadas, barbante e sabão artesanal feito pelas residentes. Também recebemos doações de roupas e kits de higiene, os quais distribuímos aos que necessitavam. Posteriormente, foi realizada a compra da máquina de costura e confecção das máscaras de proteção oferecidas aos usuários e população em situação de rua próxima ao CAPS.
Foi possível gerar uma proximidade com a nova população recém-chegada e proporcionar a continuidade do vínculo com os já usuários do serviço, além de proporcionar insumos para o autocuidado profilático relacionado ao coronavírus. Nos momentos de distribuição eram feitas escutas qualificadas, orientações baseadas em fontes confiáveis e apresentação dos CAPS para aqueles que ainda não o conheciam o serviço, como forma de promoção à saúde. Foi estabelecido contato direto com a população para conhecer abordagens e estratégias que já estavam sendo utilizadas neste contexto, o que possibilitou a articulação com a abordagem de rua Ipês que auxiliou trazendo a população ao CAPS e a nos orientar aos melhores lugares para colocar as estações de água e sabão.
Foi possível estar mais presente no território e ir para além do que normalmente já é estruturado no serviço, criando vínculo, oferecendo escuta, acolhimento, apresentando o CAPS e a rede para aqueles que não tinham conhecimento do serviço, dando continuidade da escuta e acolhimento aqueles que já frequentavam o CAPS, possibilitando o acesso a recursos básicos de higiene e informando-os acerca da pandemia com fontes confiáveis. Encontramos barreiras no apoio institucional e governamental, sendo este um importante ponto negativo, entendendo que é necessária maior cobrança às instâncias responsáveis para se olhar para esta população dentro e fora do período de pandemia para que consigamos realizar nossa prática e dar continuidade do suporte da melhor forma. A reinvenção de nossa prática diante do inesperado fica como maior impacto dessa experiência, sendo salientado que esta reinvenção deve estar aliada às nossas atuações, pois entendemos que trabalhar na saúde mental é criar e reinventar a todo momento para que assim possa ser produzida vida, apoio, escuta e acolhimento aos nossos usuários.
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