O agravamento da pandemia da COVID-19 (re)estruturou diversos sistemas de saúde. No Brasil, de acordo com os dados do Ministério da Saúde, já somam-se cerca de 3.862 milhões de casos confirmados com mais de 120 mil mortos. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) inúmeros desafios impõem-se aos profissionais de saúde, sobretudo, aqueles atuantes no âmbito comunitário. Em Icapuí, cidade cearense localizada no extremo litoral leste do estado e com cerca de 20 mil habitantes, os profissionais de saúde, especialmente, aqueles que compõem o Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) viram seu espaço de atuação afetado pela suspensão das atividades coletivas nos serviços de saúde e equipamentos públicos disposto no decreto nº 33510, de 16/03/2020, publicado pelo Governo do Estado do Ceará. Diante desse contexto, os residentes multiprofissionais em saúde das ênfases de Saúde da Família e Comunidade e Saúde Mental Coletiva, da turma VII, da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE) planejaram e executaram o projeto “Saúde na Praça” buscando realizar atividades de educação em saúde com os usuários das agências bancárias que aguardavam o saque do auxílio emergencial em filas ao redor da Praça Central de Icapuí. Tais atividades foram motivadas pela preocupação dos residentes com o nítido aumento do número de pessoas nas filas das agências bancárias, gerando pequenas aglomerações, durante os períodos de pagamento das parcelas auxílio emergencial.
Desenvolver atividade de educação em saúde no contexto de pandemia da COVID-19, no período entre maio a julho de 2020, buscando informar a população sobre o auxílio emergencial e as recomendações sanitárias para a prevenção da transmissão do coronavírus realizada na Praça Central do município de Icapuí.
As atividades foram programadas de acordo com o calendário do saque do auxílio emergencial disponibilizado pela Caixa Econômica Federal, em virtude, do maior trânsito de pessoas nas agências bancárias nessas datas específicas. Na oportunidade, optamos por debater temas relacionados com a pandemia da COVID-19, visto serem esses os principais objetos de dúvidas entre a população, são eles: o auxílio emergencial e as medidas de prevenção da transmissão da COVID-19 recomendadas pelo Ministério da Saúde (MS). Para tanto, visando dinamizar e garantir a participação das pessoas presentes nas filas fizemos uso de metodologias ativas como o Team Based Learning (TBL), por exemplo. Assim, os residentes multiprofissionais de diferentes categorias profissionais (Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia e Serviço Social) levaram placas com as palavras “mito” e “verdade” escritas. Desse modo, ao interpelar os participantes sobre o auxílio emergencial e as recomendações sanitárias sobre a COVID-19, os usuários poderiam opinar utilizando tais placas. A partir das respostas, a equipe de residentes sanava as possíveis divergências e reiterava as informações sobre as referidas temáticas. A dinâmica objetivou envolver o ouvinte, bem como permitir (des)construir sua percepção sobre o auxílio emergencial e a COVID-19. Ao final de cada atividade as placas disponibilizadas aos participantes eram descartadas para não correr o risco de transmissão e contaminação.
No decorrer das atividades e a partir do diálogo travado junto aos usuários, observamos a desconstrução de visões cristalizadas sobre as temáticas abordadas, sobretudo, em relação ao calendário do auxílio emergencial e outras informações pertinentes sobre as demais parcelas do benefício. No tocante às recomendações relativas à COVID-19, os usuários demonstraram conhecimento sobre as medidas de prevenção e higienização de máscaras e fizeram questionamentos sobre a eficiência dos exames para a detecção da doença, bem como o período de realização dos testes. Também expressaram durante o ensejo um profundo temor quanto aos casos confirmados, visto que alguns infectados não praticavam o isolamento social e nenhuma autoridade, sanitária ou policial, tinha o poder de conter os pacientes imprudentes. Unanimemente, todos os usuários não sabiam diferenciar Distanciamento Social, Isolamento Social e Quarentena. Diante disso, foi notável durante o período entre maio e agosto de 2020 a diminuição do número de pessoas nas filas das agências bancárias da cidade e maior manejo no uso de máscaras e álcool em gel 70%. Não podemos, obviamente, atribuir esse feito apenas a atividade “Saúde na Praça”, posto também a importante atuação da Secretaria Municipal de Saúde de Icapuí na condução das medidas preventivas ligadas a COVID-19, deixando a cidade na segunda colocação quanto ao menor número de óbitos pela doença na 7ª Região de Saúde do Ceará com apenas 12 óbitos, até setembro de 2020.
Considerando o conceito ampliado de saúde, compreende-se que ao abordar a temática do auxílio emergencial, supre-se uma demanda social, mas também de saúde, visto que a renda é um importante determinante da saúde da população. Apesar das constantes informações veiculadas nos meios de comunicação sobre o novo coronavírus, a estratégia educativa utilizada supre a necessidade da população em reafirmar essas informações e esclarecer suas dúvidas. Destaca-se assim o potencial das ações educativas em saúde como importantes instrumentos a serem utilizados para compartilhar informações, elucidar dúvidas e promover saúde. Ademais, possibilitou o diálogo entre usuários e profissionais de saúde, sobretudo, aqueles pertencentes ao NASF-AB que atuam a partir da interação coletiva por meio de grupos, salas de espera etc. Aliás, a experiência de “Saúde na Praça” pôs em cena a importância das atividades de educação em saúde no cotidiano dos serviços de saúde, responsável por desnudar as pré-noções características do cotidiano.
Educação em Saúde, Prevenção de Doenças, Coronavírus