O cenário mundial da pandemia Covid-19, trouxe a necessidade da gestão municipal, através dos seus serviços de saúde, propor estratégias de enfrentamento voltadas ao isolamento social das pessoas que se encontram em situação de rua. As portarias e decretos para a atuação da saúde e demais serviços municipais ao atendimento desta população, não contemplavam o isolamento social exigido com a pandemia da Covid-19, surgiu então um desafio a ser transposto pela gestão, e que, trouxe avanços significativos nesse momento, pois, a população que se encontra em situação de rua, geralmente possui em comum, pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e, é composta por grupo heterogêneo, permanecendo em diferentes espaços públicos (ruas, praças, viadutos), áreas degradadas (galpões e prédios abandonados, ruínas etc.) e, ocasionalmente, utilizando abrigos/albergues para pernoitar. Grande parte tem na rua seu espaço de sobrevivência e, acabam por fazer uso de substâncias psicoativas (BRASIL, 2012). A situação em que essas pessoas se encontram exige, por um lado, atenção e cuidado diferenciados por parte do Sistema Único de Saúde (SUS) na prestação de serviços a esses usuários e, por outro, a articulação dos diversos setores do governo (Decreto 7.053, 2009).
Realizar o abrigamento das pessoas em situação de rua, como forma de promover o isolamento social das mesmas durante o período da pandemia Covid-19 Identificar as necessidades de saúde encontradas nas pessoas que aceitaram permanecer nos abrigos de isolamento social Promover a saúde destas pessoas enquanto estiverem nos abrigos, bem como, realizar o planejamento e organização de estratégias de superação da situação de rua Vincular o abrigo de isolamento social a Unidade Básica de Saúde do território do mesmo.
Com avanço da pandemia Covid-19, a gestão municipal percebeu a necessidade de ampliar o olhar e cuidado as pessoas em situação de rua e, através de contrato de comodato entre Secretaria Municipal de Assistência Social e Mitra Diocesana/Igreja Católica, foi possível a organização de três abrigos emergenciais de isolamento social: um para mulheres, outro para homens adultos e um terceiro para homens idosos. Os locais cedidos, foram seminários e casas de encontros/retiros que, na pandemia, não estavam sendo utilizados pela igreja. Após concessão dos locais e, estruturação dos mesmos com servidores vinculados a Secretaria Municipal de Assistência Social, foi organizado um fluxo de acolhimento das pessoas em situação de rua, as quais deveriam passar por avaliação de saúde pela equipe do Consultório na Rua, vinculada Secretaria Municipal de Saúde, para avaliar sinais e sintomas de síndromes respiratórias e, liberar ou não as pessoas para serem admitidas nos abrigos, além de realizar orientações de prevenção para Covid-19 e fornecimento de máscaras e outras questões de saúde. A equipe do Consultório na Rua, realizou avaliações de saúde, em três dias diferentes da semana, desde o mês de março de 2020, com a presença de profissionais de enfermagem, psicologia, assistência social e residente de Medicina da Saúde da Família e Comunidade. Uma abordagem intersetorial que visava avaliar além dos sintomas de saúde, as necessidades de cada pessoa, para o melhor direcionamento da mesma.
Com o abrigamento das pessoas em situação de rua, após a avaliação de saúde, foi possível promover o isolamento social destas pessoas durante este período de pandemia Covid-19. Com isso, foram identificadas as necessidades de saúde encontradas nestas pessoas, através de consultas médicas pelos residentes da Medicina da Saúde da Família e Comunidade, avaliações de enfermagem, Consultas de Pré Natal, Testes Rápidos de Hepatite B e C, Sífilis e HIV, exames laboratoriais, uso de Práticas Integrativas e Complementares (Auriculoterapia e Terapia Comunitária Integrativa), consultas de saúde mental, encaminhamentos e acompanhamentos em exames de imagem e prescrições de medicamentos. Desta forma, a promoção da saúde destas pessoas enquanto estivessem nos abrigos, foi sendo realizada, bem como, o planejamento e organização de estratégias de superação da situação de rua, através dos trabalhos realizados pelos enfermeiros, estudantes de enfermagem, psicólogos e assistentes sociais presentes nos abrigos, os quais abordaram temas como entrevista de emprego e levantaram as potencialidades e necessidades de cada pessoa no final da experiência, após todos os abrigados estarem em uso das devidas medicações de acordo com a necessidade de cada um, a Unidade Básica de Saúde do território foi incluída no processo, assumindo os cuidados do abrigo de sua competência, mantendo as consultas médicas, medicações e atividades que já vinham sendo realizadas pela equipe do Consultório na Rua.
Ao final desta experiência, podemos observar que, os desafios enfrentados durante os trabalhos realizados estiveram relacionados as perdas devido a não aceitação da oferta de abrigamento, a evasão de algumas pessoas que não se adaptaram aos abrigos e a dificuldade de articular serviços e ações no mesmo momento em que a demanda se apresentava no entanto, os avanços encontrados em sua grande maioria, estão relacionados a promoção da saúde destas pessoas, como nunca antes haviam sonhado. O mapeamento de hipertensão e diabetes, doenças crônicas e consideradas de fácil acompanhamento e tratamento dentro da Atenção Básica de Saúde, não eram possíveis de serem realizadas estando essas pessoas em situação de rua e sob o efeito do uso abusivo de substâncias psicoativas e, com o abrigamento, essas estratégias foram se tornando realidade. Assim, a estratégia de isolamento social das pessoas em situação de rua se mostrou ser de grande valia para a gestão municipal e serviços de saúde no enfrentamento à Covid-19.
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