O cenário de pandemia apresentado no ano de 2020, trouxe consigo diversos desafios aos gestores públicos, em especial aos gestores municipais de saúde sendo necessário reordenar as formas de cuidado, buscando de forma criativa e inovadora levar a população do seu município medidas preventivas, protetivas e de restauração da saúde dos sujeitos, de forma integral e equânime. A preocupação com a saúde mental da população e o aumento do sofrimento psicológico causado pela pandemia da COVID-19 é uma preocupação não só dos gestores da saúde, como também de organizações internacionais como a ONU (2020) e a European Centre for Disease Preventioon and Control (EDC, 2020). De acordo com o Guia Preliminar da Inter-Agency Standing Committee – sobre como lidar com os aspectos psicossociais e de saúde mental referentes ao surto de COVID-19 (2020), em qualquer epidemia, é esperado que os sujeitos sintam-se estressados e preocupados, na pandemia do COVID-19 soma-se ao esperado o pouco conhecimento sobre as particularidades do vírus, o medo constante da população, incerteza e necessidade do distanciamento social (impossibilitando vivenciar alguns ritos como luto). A presente experiência iniciou no dia 06 de abril de 2020, no município de Aracaju/SE, visa ampliar os canais de cuidado psicossocias, através de apoio psicológico e escuta qualificada, sendo destinada ao atendimento psicológico da população em geral residente no município de Aracaju, bem como a todos profissionais de saúde.
Disponibilizar serviço de apoio complementar integrado às atividades de respostas ao COVID-19 contemplando a esfera psicossocial através do aconselhamento psicológico Produzir outras formas de acesso ao cuidado em saúde mental Garantir e ampliar o acesso aos dispositivos de cuidado integral, com ênfase no cuidado psicossocial.
Visando ampliar as ações de cuidado em saúde mental, a Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju implantou, no dia 06 de abril de 2020, o Serviço de Apoio Psicológico, considerando a urgência para o início precoce de ações de apoio psicológico da população para tal utilizou um serviço de call Center (composto por uma central de monitoramento e aplicativos instalados nos celulares dos psicólogos que compunham as Redes de Atenção à Saúde) o serviço iniciou com 34 psicólogos que foram capacitados para uso do aplicativo, bem como para orientações sobre a COVID-19, esses profissionais foram distribuídos em turnos de 6 horas de trabalho diária, de forma que o serviço funcionasse de segunda a sábado das 08h as 20h. Visando ampliar o acesso e garantir equidade o serviço passou a ser disponibilizado a partir de um 0800, possibilitando originar as ligações de forma gratuita. As ligações são sigilosas conforme determina o Conselho Federal de Psicologia (Resolução do CFP nº 011/2018 e Comunicado do CFP de 16 de março de 2020 na qual orienta a categoria), sendo coletados apenas dados epidemiológicos para qualificação do serviço para tal coleta é utilizado formulário eletrônico, que é compilado pela supervisão do serviço de forma a garantir o sigilo das informações. A partir do dia 18 de maio de 2020, o serviço passou a realizar busca ativa e monitoramento de casos de luto, tentativa de suicídio e casos agudos de ansiedade relacionados a resultado reagente de COVID-19.
Apesar do sigilo no conteúdo das ligações, durante os atendimentos são coletados dados epidemiológicos que visam a avaliação e qualificação do serviço. Desde a sua implantação até o dia 22/08/2020, o serviço contabiliza registro de 3421 atendimentos (escuta qualificada e aconselhamento) destes 2541 se identificaram como do sexo feminino 839 sexo masculino e 41 outros. Quanto à faixa etária, destacam-se os seguintes grupos: de 31 a 40 anos – 864 ligações 41 a 50 anos – 542 ligações 51 a 60 anos – 529 ligações. Observa-se que apenas 144 ligações foram originadas por profissionais de saúde, 2902 se identificaram como população em geral, todos os demais não responderam a este item. Ao analisar os bairros informados pelas pessoas que buscaram o SAPSI, observa-se que as regiões de expansão da cidade (com maior grau de vulnerabilidade) aderiram ao serviço de forma satisfatória, sendo os bairros com maior registro de chamadas originadas infere-se que o modelo utilizado (por telefone e sem custos) consegue abranger diversos públicos, garantindo equidade e ampliando o acesso. Dentre os principais motivos para buscar o serviço destacam-se: 9,9% casos positivos de COVID-19 8,9% angustia 8,4% ansiedade inespecífica 8,1% ansiedade relacionada ao distanciamento social e 8,0% medo relacionado a COVID-19. Ressalta-se que 1,4% das ligações foram de pessoas com ideação suicida, para estes casos o acompanhamento passou a ser realizado por ligações realizadas pelas psicólogas do SAPSI.
As experiências de outros países apontam para a relevância da implantação de serviços estratégicos de atenção psicossocial, sendo recomendada desde o momento pré-crise, mantendo-se durante o intracrise e pós-crise, como forma de prevenir agravos futuros dos sujeitos que estão expostos aos fatores estressores relacionados à COVID-19, com possíveis repercussões a médio e longo prazo (NOAL e DAMÁSIO, 2020). A vantagem da utilização do atendimento por telefone é a democratização do serviço, garantindo a ampliação do acesso aos cuidados em saúde bem como inovando nas formas de promover o cuidado em saúde mental, respeitando as orientações de distanciamento social. Observa-se que houve boa adesão ao SAPSI, contudo a linha do tempo da pandemia ainda é desconhecida sendo necessária a manutenção da qualificação do SAPSI, a fim de atender as especificidades de cada estágio do curso da pandemia e seus efeitos para a saúde mental dos indivíduos e comunidade. Infere-se que o SAPSI é uma potente ferramenta de cuidado para os casos de ideação suicida e correlatos, sendo uma estratégia de inovação em saúde mental, possibilitando outras formas de intervenção em crises psicológicas mesmo após o período pandêmico.
Saúde mental, apoio psicológico, atenção psicossocial, inovação, COVID-19