Nos últimos anos temos vivenciado significativos avanços no que tange ao Sistema Único de Saúde (SUS). Contudo, torna-se cada vez mais evidente a dificuldade em superar a intensa fragmentação das ações e serviços de saúde e em concretizar a articulação da Rede de Atenção à Saúde (RAS).
Tendo em vista a complexidade do cenário em decorrência da pandemia pelo Covid-19 e, considerando o princípio da integralidade do SUS, o Departamento de Planejamento, Controle, Avaliação, Auditoria e Regulação (DPCAR), por meio da Coordenação de Regulação (COREG) da Secretaria de Saúde de Angra dos Reis/RJ implementou o projeto da Alta Responsável do Usuário Pós Covid-19, destacando a potencialidade da regulação assistencial em integrar os diferentes níveis de atenção, a partir da organização do acesso com foco nas necessidades do usuário.
Tal estratégia justifica-se pela importância da continuidade da assistência ao usuário após internação por formas graves da infecção pelo coronavírus, diante de uma doença nova, com diferentes manifestações clínicas, complicações e demandas de acompanhamento. As ações estartadas imediatamente após a alta hospitalar contribuem para a prevenção de possíveis complicações e de reinternações, promovendo a inserção precoce deste usuário nos diversos pontos da RAS, na perspectiva da manutenção do atendimento à linha de cuidado, até sua plena recuperação.
O trabalho tem como objetivo geral:
Planejar a alta do usuário Pós-Covid-19, tendo a regulação assistencial como articuladora de estratégias que favorecem a continuidade do cuidado, mediante o acesso aos diversos pontos da RAS em tempo oportuno.
Como objetivos específicos:
- Responsabilizar a equipe pelo planejamento da alta;
- Favorecer que os usuários deixem o hospital no momento apropriado do seu tratamento;
- Contribuir para o atendimento da linha de cuidado ao usuário pós-alta por Covid-19, de forma organizada;
- Promover a reabilitação e reintegração do usuário do SUS; e,
- Reavaliar periodicamente as necessidades, os riscos e as vulnerabilidades.
O estudo em questão traduz o relato de experiência da Regulação Assistencial de Angra dos Reis/RJ, como articuladora de estratégias destinadas a assegurar a alta responsável do usuário Pós-Covid-19.
Teve início a partir de uma reunião do Gabinete de Crise para Enfrentamento do Coronavírus, em Junho/2020 onde, superadas as etapas de planejamento e estruturação dos Centros de Triagem e da ampliação da oferta de leitos clínicos e de UTI para atendimento às pessoas com Covid-19, tornou-se evidente a necessidade de implementar ações capazes de articular a continuidade do cuidado após alta.
O processo de articulação elaborado pela Regulação Assistencial em parceria com a RAS compreendeu as seguintes etapas: Planejamento estratégico situacional envolvendo os três níveis de atenção à saúde; Realização de oficinas de trabalho com as equipes de Regulação, Hospital de Referência Covid-19, ESF, NASF, Centro de Reabilitação e Melhor em Casa para definição de protocolos clínicos, linhas de cuidado e fluxos assistenciais; Fortalecimento do mecanismo de desospitalização; Implantação do fluxo pós- alta.
O fluxo estabelecido para alta qualificada centraliza no setor de Regulação Ambulatorial o manejo de todas as altas hospitalares por Covid-19 informadas pelo NIR dos hospitais por e-mail, diariamente. O setor verifica as demandas, regula os encaminhamentos para especialidades e exames e comunica à equipe de APS de referência, a qual programa o acompanhamento para a mesma semana da alta.
O Hospital de Referência COVID-19, implantado em Angra dos Reis/RJ para o enfrentamento da pandemia, contabilizou no período de 27/03/2020 à 31/08/2020, 688 internações. Destas, 213 em leitos de UTI e 475 em leitos clínicos. Das 655 saídas da Instituição no mesmo período, 528 foram por alta e 127 óbitos.
A partir da implementação do fluxo da Alta Responsável (efetivado em 20/07/2020) e, até o dia 15/09/2020, o Núcleo Interno de Regulação (NIR) do Hospital de Referência Covid-19 encaminhou ao setor de Regulação Ambulatorial, 104 altas qualificadas que foram, em sua totalidade,
direcionadas para acompanhamento ambulatorial pela equipe de Saúde da Família e NASF. Além destas, para 21 pessoas, pela complexidade das demandas no pós-alta, foi solicitado pelo NIR a avaliação da equipe de Atenção Domiciliar Programa Melhor em Casa (PMC). O PMC realizou as 21 avaliações, com 12 inclusões no programa (perfil AD2 e AD3) e 09 direcionamentos para a continuidade do cuidado pela APS (perfil AD1). Das pessoas admitidas no PMC, 07 persistem em acompanhamento, 03 receberam alta para a APS e 02 evoluíram para óbito.
Do total das altas, foram demandadas e reguladas 39 consultas para especialidades médicas sendo 13 para pneumologia, 10 para cardiologia, 09 para endocrinologia, 03 para psiquiatria, 02 para o urologia, 01 para angiologia e 01 para neurologia. Também foram regulados 07 exames complementares, sendo 05 tomografias, 01 ecocardiograma e 01 doppler de MMII.
Podemos concluir que a Alta Responsável é um processo de extrema importância na garantia da continuidade do cuidado na RAS. Porém, permeia vários desafios, especialmente quando consideramos uma doença nova e complexa, que apresenta uma variedade de condições clínicas que vão desde infecções assintomáticas a quadro graves.
A pandemia trouxe com ela novas demandas para o setor saúde e, a incipiência de critérios e parâmetros para subsidiar o planejamento das ações e serviços de saúde, provocou nos gestores do SUS a necessidade de reinventar a lógica da programação da assistência e implementar ações para melhorar o acesso.
Nesse contexto e, considerando o perfil da Regulação Assistencial em promover os princípios da equidade e da integralidade do cuidado, destaca-se o papel da regulação como articuladora da alta segura dos usuários Pós-Covid-19, favorecendo o atendimento da linha de cuidado e a inserção destes nos diversos pontos da rede.
Inúmeros são os benefícios oriundos dessa ação, como: o fortalecimento da comunicação na RAS, o foco no olhar preventivo, o apoio técnico especializado, a redução do tempo de permanência no hospital, o conforto do usuário e sua família, a prevenção de complicações e a redução de reinternações.
Alta responsável Pós-Covid-19; Regulação Assistencial; Redes de Saúde e Cuidados Continuados