A pandemia do novo coronavírus (COVID-19) pode ser considerada a maior emergência de saúde pública que a comunidade internacional já enfrentou nos últimos anos, trazendo não somente preocupações quanto à saúde física, mas também quanto ao sofrimento psicológico. Fatores de risco à saúde mental estão relacionados à rápida disseminação do vírus, incertezas quanto ao controle da doença, imprevisibilidade do tempo de duração da pandemia e seus desdobramentos, cenário este, agravado pela difusão de informações equivocadas e sem base científica, dificultando assim a compreensão das orientações dadas pelas autoridades sanitárias. Afora a população geral, profissionais da saúde enfrentam diversos outros fatores de estresse como o potencial risco de ser infectado e de infectar outras pessoas, sobrecarga de trabalho, exposições a mortes em larga escala, frustração frente a desfechos negativos no acompanhamento, recursos físicos e materiais limitados, agressões constantes de usuários quando não atendidos em suas necessidades e afastamento de família e amigos. Desafios enfrentados ao longo do período de pandemia podem representar gatilho para desencadeamento e intensificação de sintomas de ansiedade, depressão e outros sofrimentos psicológicos, como identificado em muitos profissionais da Unidade Básica de Saúde (UBS) Piraporinha. Este fato destacou a necessidade e levou à prática de ações de amparo e promoção de estratégias de enfrentamento e autocuidado a estes profissionais.
Descrever experiência do desenvolvimento de estratégia de apoio e enfrentamento frente ao sofrimento mental relacionado à pandemia por COVID-19 aos profissionais da UBS Piraporinha no período de julho de 2020.
Ação realizada com 53 funcionários da UBS Piraporinha, localizada no município de Diadema, a partir da identificação empírica de sofrimento psicológico na maioria dos colaboradores, por grupo multiprofissional da própria Unidade, composto por gestora, auxiliar administrativo, enfermeira, psicóloga, cirurgião dentista, auxiliar em saúde bucal (ASB) e agente comunitária de saúde (ACS). Inicialmente a cirurgiã dentista, ASB e ACS se encarregaram em realizar ligações telefônicas aos contatos dos funcionários, a fim de solicitar confecção de vídeos com mensagens motivacionais. Foram recebidos 48 videos, entre 1 e 5 minutos, de familiares, amigos e pessoas próximas aos funcionários, com mensagens de apoio e agradecimento, sob a temática do esforço realizado pelos colaboradores em manter as atividades no período da pandemia. Os pequenos vídeos foram editados pela agente administrativo e agregados em um vídeo de aproximadamente 1 hora e 30 minutos, exposto ao fim de uma reunião geral, orquestrada pela gerente em forma de surpresa aos funcionários. A sala foi decorada pelo grupo multiprofissional, com tema festivo e fotos de momentos de descontração dos colaboradores e, por fim, foi entregue um pequeno presente, com embalagem expondo tema “UBS Piraporinha – Heróis do Cuidado”. Em sequencia, durante todo o mês de julho foram organizadas rodas de conversa com a equipe, na tentativa de despertar o apoio mutuo entre todos.
No período que antecedeu o desenvolvimento da ação foi possível observar sofrimento mental significativo entre os funcionários, caracterizado por afastamentos e ausências por crises de ansiedade e depressão, além de apatia e desinteresse por atividades recreacionais propostas. Durante o desenvolvimento das atividades, primeiramente houve sentimento de medo e apreensão na reunião geral, pois o grupo achou que seria cobrada maior produção de trabalho e mudança no fluxo de atendimento, fato que foi frequente no início da pandemia, em seguida, após exposição de vídeo, observou-se grande surpresa e comoção dos colaboradores, com relatos de agradecimento e de se sentiram ouvidos, cuidados e respeitados. Nas rodas de conversa os tópicos dominantes foram medo de contaminação por COVID-19, sentimento de solidão relacionado ao isolamento social, risco oferecido aos familiares, pouco reconhecimento aos esforços realizados no trabalho, medo de falta de artigos de proteção individual, sentimento de impotência na condução de casos positivos e grande incerteza acerca do retorno de rotina normal anterior ao período pandêmico, dessa forma foi possível identificar altos índices de ansiedade, estresse, depressão, medo e angústia. Foi possível observar, como resultado imediato, efeito importante no fortalecimento psíquico dos participantes, caracterizado pela valorização de vivências, capacidade de intervir no próprio sofrimento e tomada de decisões para modificação da situação de sofrimento.
A atual pandemia do novo coronavírus pode ser considerada a maior emergência de saúde pública que a comunidade internacional já enfrentou nos últimos anos, levando ao sofrimento psíquico de profissionais de saúde, podendo culminar em adoecimento. Em experiência de ação para promoção do apoio psicológico e enfrentamento aos profissionais de saúde de UBS em Diadema, foi possível observar efeito importante no fortalecimento psíquico dos participantes, caracterizado pela valorização de vivências, capacidade de intervir no próprio sofrimento e tomada de decisões para modificação da situação de sofrimento. As pesquisadoras consideram a importância e necessidade de ampliar espaços de escuta e promoção de enfrentamento frente a situações de grande impacto psíquico do trabalhador, pois assim é possível atuar e prevenir adoecimento mental nesta classe já tão exposta à fatores de sofrimento.
Saúde Mental; Saúde do Trabalhador; COVID-19.